Tiros na favela, corpos empilhados
Governo omisso, falência do estado
Moradores nas suas casas acuados
Comandantes inaptos e despreparados
A lei do cão impera na comunidade
As pessoas perderam a sua liberdade
O medo vem de todo lado
Não há sossego pra quem vive cercado
Policiais não sabem se retornam vivos
Dor na família e parentes apreensivos
Nesse conflito não há vencedores
Só mortes e números estarrecedores
Quando teremos a tão sonhada pacificação
Que traga alento para o coração
Nessa guerra insana todos perdem
E da esperança na vida se despedem
Alécio Souza
A megaoperação realizada no Rio de Janeiro pelas forças de segurança envolveu as tropas de elite da polícia civil e militar que reuniram um efetivo de 2.500 policiais num cerco aos traficantes do Complexo do Alemão e da Penha. O saldo desse combate foram as mortes de 121 pessoas, sendo 117 suspeitos e 4 policiais. Essa foi a ação mais letal das forças de segurança no combate ao crime organizado e muitas perguntas ficaram sem respostas. A polícia informa que tinha 68 mandados de prisão contra integrantes da facção criminosa, porém nenhuma das pessoas mortas faziam parte dessa lista, também não foi localizado o principal integrante e chefe da organização Comando Vermelho.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, se pronunciou dizendo que a operação foi um sucesso apesar das falhas cometidas, das vidas perdidas e da incompetência de concluir o que foi proposto no plano inicial. O banho de sangue cometido nessa operação colocou em risco a vida de pessoas inocentes da comunidade assim como dos policiais que obedecendo a uma ordem do governador arriscaram as suas vidas num confronto violento, demorado, perigoso e pouco eficaz no combate ao crime organizado. A batalha mais tensa aconteceu na mata que divide as duas comunidades e foi uma verdadeira cena de guerra com muitos tiros, armamento pesado dos dois lados, agentes feridos e dezenas de mortes. Para os moradores foi um filme de terror.
A questão da segurança pública no Brasil sempre foi discutida na sociedade, mas nunca foi resolvida, nenhum governo conseguiu ações eficazes contra o crime organizado e as facções criminosas que tomaram conta do país. Muito se fala em combater o crime nas favelas do Rio de Janeiro, porém os principais criminosos não vivem lá, quem realmente comanda toda essa estrutura vive em palácios, mansões, fazendas, ilhas e também fora do país. São empresários, políticos, banqueiros, investidores e pessoas com muito poder financeiro. Se deseja acabar com o crime organizado é necessário operações contra o núcleo financeiro da organização e contra aqueles que realmente mandam e tem poder nesse país. Os criminosos que vivem escondidos nas favelas fazem o trabalho sujo, ficam na linha de frente e muito mais expostos, mas não são os principais alvos dessa escala de poder do crime organizado.
Não existe uma solução simples para um problema tão complexo como o combate ao crime organizado, mas acredito numa integração entre as forças de segurança do país juntamente com o apoio dos governos federal e estadual para se realizar uma força-tarefa que consiga neutralizar o núcleo financeiro das organizações criminosas e também aumentar a fiscalização e apreensão nas fronteiras do país. Operações sangrentas como essa no Rio de Janeiro não resolvem o problema e só geram mais ódio e tristeza na comunidade, é necessário utilizar a inteligência da polícia para encontrar caminhos de livrar as favelas dos criminosos e ocupar esses espaços com uma polícia ostensiva e permanente, protegendo e cuidando dos moradores que vivem ali.
Enquanto o confronto for a única maneira de se enfrentar as facções que dominam as favelas teremos novas chacinas, pessoas inocentes e agentes de segurança baleados ou mortos e virando estatísticas dessa triste repetição. Esse modelo de combate ao crime no Rio de Janeiro e outros estados não é eficiente e não impacta no comando da organização que se encontra ramificada em diversos tipos de negócios como postos de gasolina e refinarias espalhadas pelo país. Somente com operações coordenadas e sufocando a parte financeira das organizações é que poderemos ter melhores resultados e chegando realmente no topo dos líderes dessas organizações criminosas.
Aqui no Brasil muitas pessoas ainda tem o pensamento que bandido bom é bandido morto, mas só quando eles são pretos, pobres e moram na favela, quando os criminosos são brancos, empresários, políticos e ricos essa regra não é aplicada, ou seja, para cada classe social um tratamento diferente, mesmo que esse rico faça parte do crime organizado. Quem comete crimes seja na favela ou na cobertura merece o mesmo tratamento, a lei precisa e deve ser dura para todos sem exceção. Espero que as autoridades entendam que operações como essa no Rio de Janeiro não surtem efeito prático e não dão mais segurança a população, na verdade só causa medo e sofrimento.
Para que famílias não chorem pela perda dos seus entes queridos, para que policiais possam retornar com saúde para as suas casas, para que a vida volte a ter esperança nessas comunidades é preciso não só o combate ao crime organizado de forma estruturada como também gerar oportunidades para as pessoas que vivem nessas favelas. Para isso é necessário investimento, capacitação, urbanização, lazer, educação, emprego e chances de promover uma vida digna para todas aquelas pessoas que já não tem mais expectativas de um futuro feliz e longe da violência. Enquanto os nossos governantes não agirem de forma inteligente e seguindo modelos eficazes de outros países a questão da criminalidade jamais será resolvida e viveremos de acontecimentos tristes como dessa megaoperação desastrosa e sem um retorno positivo.
Escolhi a canção “Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)” da banda O Rappa porque ela é um retrato do país e leva uma mensagem muito emblemática quando diz “Pois, paz sem voz / Paz sem voz / Não é paz, é medo!”, esses versos não poderiam ser mais perfeitos para definir o momento atual no Brasil.

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